sábado, abril 17, 2010

Para ler...e chorar?

Com a devida vénia, transcreve-se para os devidos efeitos nas consciências de cada leitor:

Isto anda tudo um bocado pornográfico

Publicado por jmf1957 em 18 Abril, 2010

Não jogo golfe. Não se me recordava de ter ouvido falar da Ryder Cup e ainda nem sei muito bem o que é – para além de dizerem ser o maior evento da modalidade à escala mundial. As notícias sobre a possibilidade de a Ryder Cup 2018 se realizar em Portugal não têm tido muito destaque. Suspeito até que a maioria dos portugueses nunca ouviu falar de tal coisa. E por isso compreendo o descaramento.
Esta semana soube-se que a comissão executiva da candidatura à dita Ryder Cup escolheu como potencial destino da prova a realizar em 2018 (bem sei que é só em 2018) a Comporta, no Litoral Alentejano. O Algarve, que também se candidatara, que tem dezenas de campos de golfe, alguns deles desenhados pelos melhores especialistas do mundo, que já tem sido distinguido como o melhor destino para a modalidade, foi preterido.
Está bem, mas o que é isso tem de especial? Alguns pormenores, ou “pormaiores”, importantes, a saber:
- Na Comporta ainda não existe nenhum campo de golfe, apenas o projecto de construir três ao abrigo de um dito PIN, esse celerado acrónimo para “Projecto de Interesse Nacional” que permite violar toda e qualquer legislação ambiental;
- Na Comporta também não existe nenhum hotel de cinco estrelas com mais de 150 quartos, nem sequer os seus caboucos;
- A Comporta é um grande projecto turístico-imobiliário do Grupo Espírito Santo e o presidente da comissão que escolheu a localização é o ex-ministro Manuel Pinho, também ex-administrador de grupo financeiro e “inventor” dos PIN;
Acho que não é preciso fazer qualquer comentário para perceber que tudo nesta história é mais pornográfico do que o conteúdo de qualquer das lojas especializadas do bairro vermelho de Amesterdão.
Mas se os protagonistas deste episódio são pessoas demasiado refinadas para irem além de uma exibição extemporânea de uns “corninhos”, já para os lados do Taguspark os plebeus são mais sinceros e, como confessou a certa altura Paulo Penedos ao actual secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello, o seu amigo comum Rui Pedro Soares iria, por esses dias, a Milão para celebrar com Figo “uma coisa um bocado pornográfica”.
Hoje sabemos que essa “coisa um bocado pornográfica” foi um contrato entre o que todos julgamos ser um parque tecnológico e um jogador de futebol no valor de muitas centenas de milhares de euros. De tal forma pornográfica que já há três administradores dessa instituição de capitais públicos, o Taguspark, acusados pelo Ministério Público de corrupção passiva.

Há pormenores – ou “pormaiores” – fantásticos. Um deles é o agente de Luís Figo (sendo que este só por piedade não estará também acusado, tão frágil é a justificação para o ilibar no processo…) ter enviado a Rui Pedro Soares a entrevista que o futebolista deu ao Diário Económico na véspera de esta ter sido publicada. Outra é o aparte de Paulo Penedos que, numa escuta telefónica e segundo o relatório da PJ, comenta mesmo que Figo, “como apoiante espontâneo e fervoroso, quer assinar primeiro o contrato”. Isto para além de a viagem a Milão de Rui Pedro Soares para negociar com Luís Figo não ter sido paga pela Taguspark, mas pela Portugal Telecom.


E claro está que ninguém duvida da sinceridade de José Sócrates quando este afirmou, há bem pouco tempo, no programa de Miguel Sousa Tavares, que “o apoio que Luís Figo deu ao PS e a mim próprio foi um apoio livre e generoso e independente de qualquer contrato”: como é do conhecimento público, o nosso primeiro-ministro nunca sabe de nada, nunca ninguém o informa, tudo é sempre feito à sua revelia. Coitado…

Quando se soube que Luís Palha da Silva já não regressaria à Cimpor, agora como chairman, mas continuaria na Jerónimo Martins, as acções desta empresa subiram 6,6 por cento. Num só dia esta empresa cotada valorizou-se 300 milhões de euros. O que mostra que Palha da Silva é um gestor cujo mérito é reconhecido pelos mercados.

Por que não foi então para a Cimpor?

Porque o Governo preferia colocar lá Mário Lino, um dos mais desastrados ministros das Obras Públicas que o país conheceu nas últimas décadas. Depois de um triste espectáculo em que o Governo e o banco do Estado, a Caixa Geral de Depósitos, andaram a discutir na praça pública quem devia ser o chairman de uma empresa privada, ambos ficaram pelo caminho.
O normal seria que alguma coisa se tivesse aprendido após tão tristes figuras, mas não: para chairman da Cimpor já não vai um ex-ministro, vai um ex-secretário de Estado, Castro Guerra. Um político e também um académico. Mas alguém sem experiência como gestor – a não ser quando foi presidente da Taguspark, mas qualquer coisa me diz que não estamos bem a falar de trabalhos comparáveis.
Como escrevia no Jornal de Negócios Pedro Santos Guerreiro, “cheira a fim de festa no PS” e “os melhores abeiram-se das cadeiras disponíveis antes que seja tarde”. E a cadeira da Cimpor é uma bela cadeira.
Nós, os que assistimos sem querer acreditar a todo este descaramento, é que começamos a sentir-nos uns botas-de-elástico. Devemos ser gente antiquada incapaz de apreciar o empreendedorismo dos novos fura-vidas, pessoas fora de moda neste país que, face a tanta pornografia, apenas encolhe os ombros.

Para mais, o líder do principal partido da oposição entende que tais temas – os que têm a ver com esse detalhe sem importância que é o carácter dos homens públicos – não são temas que mereçam ser discutidos e que o mais importante é rever depressa a Constituição. A maioria dos comentadores aplaudiu e os jornalistas colocaram-no em “estado de graça”.

Pelo que eu é que me enganei no país, ou então entrei por engano no filme errado. Num daqueles que têm bolinha vermelha.

Público, 16 de Abril de 2010

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